A história da humanidade é repleta de momentos monstruosos em que o homem se mostrou o verdadeiro sanguinário de si próprio.
Holocausto. Racismo. Perseguições étnicas. Violência e intolerância. Os brasileiros têm críticas severas a todas essas questões e, geralmente, apontam a existência delas em países como os Estados Unidos, Alemanha, Iraque. Mas esquecem de olhar a própria história, que registra a existência de campos de concentração no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, como na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, e em demais Estados brasileiros. Esses campos mantinham cidadãos comuns - considerados perigosos à sociedade - encarcerados, muitas vezes vítimas de torturas. Nos anos de 1939 a 1945 o mundo se viu envolvido em um pesadelo inacreditável. Maus tratos, fome, massacres, combates, esgotamentos, perseguições, assassinatos em massa ou doenças.
No século XX, muitas medidas foram tomadas contra os estrangeiros que vieram ao Brasil, devido ao regime de Vargas. A proibição de rádios, máquinas fotográficas, livros e falar alemão, entre outras, era comum e sua desobediência considerada “criminosa”. Devido à nacionalização ditada por Vargas em 1938, e o grande número de “súditos do eixo” (alemães, italianos e japoneses) na região dos Campos Gerais, a população passou a denunciá-los, informando discretamente as atitudes, os costumes, os gestos e atos praticados pelos estrangeiros.
Os imigrantes alemães persistiam em seguir as características culturais e defender os princípios políticos de seu Estado, mesmo longe do seu território nacional, seguindo o nacionalismo alemão, como forma de resistência ao autoritarismo de Vargas. Procuravam preservar e divulgar a cultura alemã e seu idioma através dos elementos que simbolizava a sua “Pátria-mãe”.
Estrangeiros encarcerados
Essa atitude foi considerada anti-nacionalista e gerou perseguições infundadas. Carlos Ostting, proprietário do “Bar Adriática” foi detido em 1943 por estar falando o idioma alemão em seu estabelecimento comercial. Estefano Solms, que possuía uma Fábrica de Chicotes, foi denunciado por um vizinho porque mantinha em sua garagem livros em alemão, rádio, mastro e livretes, entre outros materiais proibidos. Além deles, muitos outros “súditos do eixo” passaram a ser perseguidos e recolhidos na Delegacia de Ordem Política e Social por não quererem se abrasileirar. Alguns passavam a noite presos na delegacia, outros semanas ou meses.
Ironicamente, aqui no Brasil não eram os judeus, mas os nazistas que foram detidos. Enquanto Hitler exterminava milhões de judeus, os alemães – simples imigrantes ou simpatizantes do nazismo foram perseguidos e acusados de serem invasores infiltrados, espiões, agentes de Hitler e simpatizantes, pelo Governo Getúlio Vargas, que contava com um eficiente aparelho nacionalista.
Para Rolf Guenther Loose, filho de Emil Loose (que foi considerado nazista em Ponta Grossa e preso no ano de 1945), “na guerra era assim, se você era de tal país, você era acusado de ser subversivo ou nazista”. Emil Loose representava o Consulado da Alemanha, e ajudava outros alemães com documentações e outras providências, devido à facilidade em se comunicar no idioma natal. Ele foi preso na Cadeia Pública da Praça Roosevelt, em Ponta Grossa durante 23 dias, como nazista. “Segundo contou a minha mãe - o meu pai nunca se envolveu com política ou propaganda nazista, entrou em depressão profunda após ser preso e quando saiu teve um problema cardíaco e morreu”, relata Rolf. Porém, o dossiê da Delegacia de Ordem Política e Social, de 12 de maio de 1942, registra que Loose possuía em sua residência retratos e propaganda nazista, sendo considerado um dos maiores agitadores alemães de Ponta Grossa e região. Entre os “crimes” estava o fato de Loose ir sempre na colônia holandesa, em Carambeí, no Paraná, ouvir as notícias da rádio alemã.
Descendência motivava detenções e torturas
Segundo conta Priscila Perazzo - doutora em História Social da USP, milhares de estrangeiros e descendentes eram detidos no país, interrogados, e, não raras vezes, torturados por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), simplesmente, porque falavam alemão. A denominação dada aos presídios que acomodaram os imigrantes do eixo pelos agentes policiais e os membros do governo, na época, chamados também de campos de internamento “eram expressões que significavam os cárceres que haviam sido reativados, adaptados ou criados para receberem os “súditos do eixo” que tiveram sua prisão legitimada pelo estado de beligerância entre o Brasil e seus países de origem”, declara Perazzo. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, foram recriados esses campos de forma variada nos Estados brasileiros. Em colônias penais agrícolas, em asilos, em hospitais e cadeias. Os cidadãos (imigrantes) tiveram variadas formas de aprisionamentos. A legislação da época era estabelecida pelos próprios Estados, diante de suas possibilidades carcerárias. Em Ponta Grossa, utilizaram a Cadeia Pública da Praça Roosevelt para manter esses “elementos perigosos” aprisionados e longe do convívio social da população ponta-grossense.
A Cadeia Pública possuía oito celas de aproximadamente 2x2m, e um longo corredor, além da solitária de nº 9. No período da tarde, as celas eram abertas, e havia um portão de ferro que os deixava isolados da saída. Existia um único banheiro. No final da tarde, eles eram recolhidos nas celas e fechados. A higiene era precária, pois, dentro das celas não existia sanitário. O relato é do 1º Sargento Negreli, ex-carcereiro da Cadeia Pública da Praça Roosevelt. “O cheiro do local era insuportável, mesmo com os detentos limpando. Nossa farda no dia seguinte ficava nojenta. De madrugada nos divertíamos matando ratazanas que andavam pelos corredores das celas, chutávamos com nossas botas. Pela manhã os corredores estavam cheios de ratos mortos”, comenta.
Esta prática de internamento em campos de concentração não ficou restrita somente aos tempos de guerra, porém, nessa época foi abundantemente utilizada. No ano de 1932, durante a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas montou seu Quartel General em Ponta Grossa, a Cadeia Pública da Praça Roosevelt também fora utilizada como campo de concentração para prisioneiros paulistas. Porém, em nenhum momento ouviu-se falar de torturas físicas ou câmaras de gás. A prática envolvia somente torturas psicológicas, aplicadas nos “elementos perigosos”, por serem alemães ou expressarem-se no idioma de seu país.
Essa expressão ‘campo de concentração’ era usada na época pelos agentes policiais e membros do governo para se referir a essa prática de confinar estrangeiros. Hoje, no entanto, ela é vista pela maioria, pelo senso comum, somente como uma prática hitlerista, utilizada na Alemanha , sob o viés do extermínio, o que não ocorreu nos campos de concentração do Brasil. A população paranaense desconhece essa prática histórica.
Vigilância da Delegacia de Ordem e Política Social
Durante a Segunda Guerra Mundial o trabalho de investigação da polícia se manteve intenso através da fiscalização aos subversivos e o controle das atividades nazistas da comunidade paranaense. A polícia, na época, era encarada como a instituição responsável pelo controle social, garantindo a centralização do poder do Estado e a eliminação dos possíveis “inimigos” do regime. Mas não era a única responsável pelo controle: existia também a Segurança Pública, que realizava levantamentos sobre os suspeitos da cidade (nazistas, políticos, simpatizantes) e os perseguiam - como foi o caso de Emilio Voigt, Waldemar Hoffmann, Fritz Bondik e Theophilo Brepohl, entre outros.
Para Roberto Voigt, filho de Emilio Voigt, “o pessoal do DOPS na época, não distinguia nazistas de comunistas e nem integralistas. Eles acusavam todos de elementos perigosos à sociedade, inclusive a minha família que são de alemães”. Todos que fossem alemães eram considerados nazistas, e tiveram que nacionalizar-se. “Tanto meu avô, como meu pai, foram presos várias vezes, todas por conspirações, denúncias. Grande parte disso por ignorância deles”, finaliza Roberto.
Com isso, abre-se um novo capítulo da história paranaense que precisa ser revista a partir de um olhar mais abrangente, imparcial e menos tendencioso sobre a formação do povo brasileiro.
Relate sua história
Portanto, se conhece algum caso ou teve algum parente estrangeiro (alemão, italiano ou japonês) envolvido nesses casos de repressões, perseguições, prisões nessa época (1939 a 1945), entre em contato. Pois, esse fato histórico de nossa região precisa ser lembrado e escrito nas páginas de um livro. (siljornalismo@hotmail.com)
Texto e pesquisa: Silvia Costa, da Redação
Holocausto. Racismo. Perseguições étnicas. Violência e intolerância. Os brasileiros têm críticas severas a todas essas questões e, geralmente, apontam a existência delas em países como os Estados Unidos, Alemanha, Iraque. Mas esquecem de olhar a própria história, que registra a existência de campos de concentração no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, como na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, e em demais Estados brasileiros. Esses campos mantinham cidadãos comuns - considerados perigosos à sociedade - encarcerados, muitas vezes vítimas de torturas. Nos anos de 1939 a 1945 o mundo se viu envolvido em um pesadelo inacreditável. Maus tratos, fome, massacres, combates, esgotamentos, perseguições, assassinatos em massa ou doenças.
No século XX, muitas medidas foram tomadas contra os estrangeiros que vieram ao Brasil, devido ao regime de Vargas. A proibição de rádios, máquinas fotográficas, livros e falar alemão, entre outras, era comum e sua desobediência considerada “criminosa”. Devido à nacionalização ditada por Vargas em 1938, e o grande número de “súditos do eixo” (alemães, italianos e japoneses) na região dos Campos Gerais, a população passou a denunciá-los, informando discretamente as atitudes, os costumes, os gestos e atos praticados pelos estrangeiros.
Os imigrantes alemães persistiam em seguir as características culturais e defender os princípios políticos de seu Estado, mesmo longe do seu território nacional, seguindo o nacionalismo alemão, como forma de resistência ao autoritarismo de Vargas. Procuravam preservar e divulgar a cultura alemã e seu idioma através dos elementos que simbolizava a sua “Pátria-mãe”.
Estrangeiros encarcerados
Essa atitude foi considerada anti-nacionalista e gerou perseguições infundadas. Carlos Ostting, proprietário do “Bar Adriática” foi detido em 1943 por estar falando o idioma alemão em seu estabelecimento comercial. Estefano Solms, que possuía uma Fábrica de Chicotes, foi denunciado por um vizinho porque mantinha em sua garagem livros em alemão, rádio, mastro e livretes, entre outros materiais proibidos. Além deles, muitos outros “súditos do eixo” passaram a ser perseguidos e recolhidos na Delegacia de Ordem Política e Social por não quererem se abrasileirar. Alguns passavam a noite presos na delegacia, outros semanas ou meses.
Ironicamente, aqui no Brasil não eram os judeus, mas os nazistas que foram detidos. Enquanto Hitler exterminava milhões de judeus, os alemães – simples imigrantes ou simpatizantes do nazismo foram perseguidos e acusados de serem invasores infiltrados, espiões, agentes de Hitler e simpatizantes, pelo Governo Getúlio Vargas, que contava com um eficiente aparelho nacionalista.
Para Rolf Guenther Loose, filho de Emil Loose (que foi considerado nazista em Ponta Grossa e preso no ano de 1945), “na guerra era assim, se você era de tal país, você era acusado de ser subversivo ou nazista”. Emil Loose representava o Consulado da Alemanha, e ajudava outros alemães com documentações e outras providências, devido à facilidade em se comunicar no idioma natal. Ele foi preso na Cadeia Pública da Praça Roosevelt, em Ponta Grossa durante 23 dias, como nazista. “Segundo contou a minha mãe - o meu pai nunca se envolveu com política ou propaganda nazista, entrou em depressão profunda após ser preso e quando saiu teve um problema cardíaco e morreu”, relata Rolf. Porém, o dossiê da Delegacia de Ordem Política e Social, de 12 de maio de 1942, registra que Loose possuía em sua residência retratos e propaganda nazista, sendo considerado um dos maiores agitadores alemães de Ponta Grossa e região. Entre os “crimes” estava o fato de Loose ir sempre na colônia holandesa, em Carambeí, no Paraná, ouvir as notícias da rádio alemã.
Descendência motivava detenções e torturas
Segundo conta Priscila Perazzo - doutora em História Social da USP, milhares de estrangeiros e descendentes eram detidos no país, interrogados, e, não raras vezes, torturados por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), simplesmente, porque falavam alemão. A denominação dada aos presídios que acomodaram os imigrantes do eixo pelos agentes policiais e os membros do governo, na época, chamados também de campos de internamento “eram expressões que significavam os cárceres que haviam sido reativados, adaptados ou criados para receberem os “súditos do eixo” que tiveram sua prisão legitimada pelo estado de beligerância entre o Brasil e seus países de origem”, declara Perazzo. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, foram recriados esses campos de forma variada nos Estados brasileiros. Em colônias penais agrícolas, em asilos, em hospitais e cadeias. Os cidadãos (imigrantes) tiveram variadas formas de aprisionamentos. A legislação da época era estabelecida pelos próprios Estados, diante de suas possibilidades carcerárias. Em Ponta Grossa, utilizaram a Cadeia Pública da Praça Roosevelt para manter esses “elementos perigosos” aprisionados e longe do convívio social da população ponta-grossense.
A Cadeia Pública possuía oito celas de aproximadamente 2x2m, e um longo corredor, além da solitária de nº 9. No período da tarde, as celas eram abertas, e havia um portão de ferro que os deixava isolados da saída. Existia um único banheiro. No final da tarde, eles eram recolhidos nas celas e fechados. A higiene era precária, pois, dentro das celas não existia sanitário. O relato é do 1º Sargento Negreli, ex-carcereiro da Cadeia Pública da Praça Roosevelt. “O cheiro do local era insuportável, mesmo com os detentos limpando. Nossa farda no dia seguinte ficava nojenta. De madrugada nos divertíamos matando ratazanas que andavam pelos corredores das celas, chutávamos com nossas botas. Pela manhã os corredores estavam cheios de ratos mortos”, comenta.
Esta prática de internamento em campos de concentração não ficou restrita somente aos tempos de guerra, porém, nessa época foi abundantemente utilizada. No ano de 1932, durante a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas montou seu Quartel General em Ponta Grossa, a Cadeia Pública da Praça Roosevelt também fora utilizada como campo de concentração para prisioneiros paulistas. Porém, em nenhum momento ouviu-se falar de torturas físicas ou câmaras de gás. A prática envolvia somente torturas psicológicas, aplicadas nos “elementos perigosos”, por serem alemães ou expressarem-se no idioma de seu país.
Essa expressão ‘campo de concentração’ era usada na época pelos agentes policiais e membros do governo para se referir a essa prática de confinar estrangeiros. Hoje, no entanto, ela é vista pela maioria, pelo senso comum, somente como uma prática hitlerista, utilizada na Alemanha , sob o viés do extermínio, o que não ocorreu nos campos de concentração do Brasil. A população paranaense desconhece essa prática histórica.
Vigilância da Delegacia de Ordem e Política Social
Durante a Segunda Guerra Mundial o trabalho de investigação da polícia se manteve intenso através da fiscalização aos subversivos e o controle das atividades nazistas da comunidade paranaense. A polícia, na época, era encarada como a instituição responsável pelo controle social, garantindo a centralização do poder do Estado e a eliminação dos possíveis “inimigos” do regime. Mas não era a única responsável pelo controle: existia também a Segurança Pública, que realizava levantamentos sobre os suspeitos da cidade (nazistas, políticos, simpatizantes) e os perseguiam - como foi o caso de Emilio Voigt, Waldemar Hoffmann, Fritz Bondik e Theophilo Brepohl, entre outros.
Para Roberto Voigt, filho de Emilio Voigt, “o pessoal do DOPS na época, não distinguia nazistas de comunistas e nem integralistas. Eles acusavam todos de elementos perigosos à sociedade, inclusive a minha família que são de alemães”. Todos que fossem alemães eram considerados nazistas, e tiveram que nacionalizar-se. “Tanto meu avô, como meu pai, foram presos várias vezes, todas por conspirações, denúncias. Grande parte disso por ignorância deles”, finaliza Roberto.
Com isso, abre-se um novo capítulo da história paranaense que precisa ser revista a partir de um olhar mais abrangente, imparcial e menos tendencioso sobre a formação do povo brasileiro.
Relate sua história
Portanto, se conhece algum caso ou teve algum parente estrangeiro (alemão, italiano ou japonês) envolvido nesses casos de repressões, perseguições, prisões nessa época (1939 a 1945), entre em contato. Pois, esse fato histórico de nossa região precisa ser lembrado e escrito nas páginas de um livro. (siljornalismo@hotmail.com)
Texto e pesquisa: Silvia Costa, da Redação
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