quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Os caminhos da traição


Quais os caminhos que levam a traição conjugal? Quem trai mais: o homem ou a mulher? Qual a influência da mídia nessa relação?


São questões que levam a muitas reflexões. Para entender um pouco mais sobre esses e outros questionamentos, Clayton Burgath realizou entrevista com a psicóloga iratiense Ana Elizabete Martini; Bacharel em Psicologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Formada em Psicologia Clínica, pela Faculdade Tuiti, de Filosofia, Ciências e Letras.
Ana Elizabete detém curso de formação em Psicanálise, pela Associação Psicanalítica de Curitiba. Realizou estágios em Centri di Aclogliensa di Riabilitazioneper Menori, na Italía e, na Clínica Elza Coriat, em Buenos Aires, Argentina.

CLAYTON- Recentemente vivenciamos a festa mais popular, o Carnaval. No tempo dos romanos era uma altura de excessos, em que tudo (ou quase) era permitido: os escravos se faziam de senhores, e os senhores, de escravos.
Bebia-se e comia-se até não poder mais.
A palavra "carnaval" pode ter sua origem na expressão latina "carrum novalis", com a qual os romanos abriam seus festejos, ou na palavra carnelevale, do dialeto milanês (de Milão, Itália), que significa "adeus à carne" - uma alusão ao início da quaresma cristã.
Entrudo quer dizer "entrada na quaresma".
Tudo isso se refere ao fato que na atualidade, para muitos (não sendo uma regra geral), o Carnaval é um período em que tudo é permitido. E nesse contexto, os prazeres da carne, as traições.
Depois surgem as conseqüências (o contágio de DSTs, e gravidez) como exemplos. O que leva a algumas pessoas - nesse contexto – a realizar certos exageros, principalmente voltados à sexualidade?

ELIZABETE- Veja bem! Todos nós temos em nosso inconsciente, o que chamamos de ego e superego*. Nessa época, a questão da moral, que está relacionada ao superego, ele fica mais aberto, embalado pelas bebidas e envolvidas por esse clima de que tudo, ou quase tudo é permitido. Com isso, algumas pessoas ficam mais suscetíveis em fazer algo que normalmente não fariam. Porém, muitos não pensam nas conseqüências, como a AIDS, as doenças sexualmente transmissíveis, o aumento do número de acidente com veículos, as traições e outros problemas.

CLAYTON- No tocante ao sentimento, o que é a infidelidade?

ELIZABETE - Isso está muito relativo à questão cultural. Por exemplo, no Marrocos, lá o chefe da casa pode ter quatro mulheres, e todas convivem harmonicamente no mesmo ambiente. Portanto, não é considerado como infidelidade para certas culturas. Já na nossa sociedade tida como monogâmica, a fidelidade pode ser considerada como um contrato, um acordo. Por exemplo: quando duas pessoas, em comum acordo resolvem namorar. Aí se forma uma espécie de pacto, de acordo. Quando uma das partes – mesmo estando vivendo esse relacionamento – mantém outro relacionamento, surge a infidelidade.

CLAYTON- Quais os motivos mais comuns que convergem à infidelidade?

ELIZABETE – Poderíamos nesse ponto colocar a questão do abandono. Questões sociais que obrigam o homem a trabalhar além do normal, da mulher dedicar-se inteiramente aos filhos, as obrigações do lar, a falta de diálogo, e tantas outras questões. São fatores que aos poucos vão colocando certo abandono entre o casal, na vida conjugal. Certas pequenas ações são fundamentais no relacionamento como: quando o marido chega em casa, a esposa vai ao seu encontro, lhe dá um beijo. Ele também, mesmo estando cansado, procura saber como foi o dia da esposa. São pequenas coisas que fazem uma grande diferença no relacionamento. O que se constata na vida moderna, que essas ações estão sendo tomada por problemas cotidianos, falta de dinheiro, a busca do ter e ser. Portanto, o abando de uma ou das duas partes, é um fator desencadeante dessa busca extraconjugal, para preencher o vazio que foi se instalando dentro do convívio entre marido e esposa.

CLAYTON- Em âmbito geral, quem trai mais, o homem ou a mulher?

ELIZABETE- Bem, na realidade que vivemos hoje, não se dá para diagnosticar se é o homem ou a mulher. Porém, em boa parte dos casos o homem quando trai é para saciar essa questão de auto-afirmação. A mulher não – mesmo não sendo uma regra - é porque ela está em busca de carinho, de atenção.

CLAYTON- Por que algumas pessoas, quando saem de um relacionamento, tentam transparecer para os outros, ou a sociedade que a vida de solteiro (a) é melhor que aquela vivida anteriormente?

ELIZABETE- Isso é uma coisa meio que narcisista. Mas, todos nós queremos ter uma vida feliz, por isso estamos nessa busca da felicidade, e buscamos mostrar essa felicidade.

CLAYTON- Qual é a influência da mídia nesse contexto da infidelidade?

ELIZABETE- A mídia tem uma grande influência sim. O que vemos hoje, em determinados programas ou telenovelas é a traição colocada como algo comum. Isso é lamentável, pois estamos falando da desestruturação de uma sociedade. A família é fundamental, Ela é o referencial para a criança, que está em formação moral e intelectual. Aqui no Brasil essa questão é mais acentuada. Eu tive a oportunidade de morar na Itália, Inglaterra, de estagiar na Argentina, e pude perceber que nesses países, essa exposição da sexualidade de certa forma é mais contida. Não se vê comumente em uma telenovela das vinte horas, por exemplo, certas cenas comuns em nosso País. Se bem que, no Brasil, essa sensualidade está mais a flor da pele, e aí voltamos à questão cultural. Vivemos num país tropical, com muita praia, sol, tudo isso de certa forma influencia nesse estímulo visual.

CLAYTON- Pais separados podem interferir na formação dos filhos sobre essa questão (valores morais)?

ELIZABETE – A questão principal não é ser filho de pais separados, mas a posição que os pais irão adotar junto aos filhos, quando isso ocorre. Às vezes o casal mesmo vivendo juntos não tem a autoridade que deveriam ter perante seus filhos, visando sua educação. Mas, algo muito ruim é quando ouvimos aquela desculpa ”há, eu não me separei porque tenho filhos”. Isso não é desculpa. Imagine você a carga de responsabilidade que está se jogando para os filhos, com referência a esse relacionamento frustrado. Isso não pode acontecer. Se um casamento não tem mais condições de se manter, filhos não podem ser usados como uma desculpa nesse tipo de convívio.

CLAYTON- O que leva alguns homens, como exemplo propagarem abertamente junto aos amigos, ou sempre que têm oportunidade, contar vantagens sobre sua suposta masculinidade? Não seria uma necessidade de auto-afirmação, que talvez ele não tenha?

ELIZABETE- Sim, pois quando você tem essa necessidade de contar muito, é porque você não está seguro daquilo. Quem acredita naquilo que realmente é não precisa da afirmação do outro.

CLAYTON- Como homens e mulheres vêem a relação casa, trabalho, amigos, carência e infidelidade pessoal (delas)?

ELIZABETE- É justamente essa falta de afetividade, de carinho de atenção. Questões financeiras também afetam e muito o relacionamento. É preciso que as pessoas façam uma auto-analise sobre a importância e o lugar que elas dispensam ao seu parceiro (a). Isso é fundamental.


* Superego faz parte do aparelho psíquico da psicanálise freudiana de que ainda fazem parte o ego (eu) e o id. Representa a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente os seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente, a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob forma da moral, como um conjunto de interdições e deveres, e por meio da educação, pela produção do "eu ideal", isto é, da pessoa moral, boa e virtuosa.


Texto e foto: CLAYTON BURGATH

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